A projeção de gastos feita pela equipe econômica para os próximos anos mostra que o aumento de despesas obrigatórias, entre elas os benefícios previdenciários, os pisos constitucionais de saúde e educação, vão pressionar cada vez mais o arcabouço fiscal, aprovado no ano passado.
De acordo com economistas consultados pelo Estadão, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá de escolher entre o arcabouço e a manutenção dos gastos mínimos com saúde e educação – que entraram na mira da equipe econômica, mas que são defendidos por outros setores do governo.
Essas despesas têm regras que as fazem crescer num ritmo mais acelerado do que o limite do próprio arcabouço. A nova âncora determina que os gastos podem crescer 70% do aumento da arrecadação, num intervalo entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação. Isso significa que, mesmo que a arrecadação dispare, o aumento total de despesas não pode ultrapassar o teto de 2,5%.
Como os gastos obrigatórios estão crescendo num ritmo superior a esse teto, na prática, vão consumir uma fatia maior do bolo, “espremendo” as outras despesas. No limite, avaliam especialistas, haverá o rompimento do teto de crescimento de gastos permitido pelo arcabouço.
As despesas com saúde e educação terão um crescimento real (acima da inflação) de até 4% ao ano até 2028 – acima, portanto, dos 2,5% da âncora geral, segundo estimativas feitas pelo economista Fábio Serrano, do BTG Pactual, e informações do Projeto Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025. Para a Previdência, os dados divulgados pela equipe econômica também indicam alta real acima do teto.
Só com a saúde, os gastos mínimos devem consumir todo o espaço das despesas discricionárias (não obrigatórias) no Orçamento até 2028, mantidas as regras e os parâmetros atuais – não sobrando mais nada para investimentos em outras áreas, incluindo o Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), o funcionamento de universidades federais, o programa de escolas em tempo integral, o Auxílio Gás e até despesas para manter os ministérios funcionando no dia a dia.
“Em algum momento, o crescimento das despesas irá inviabilizar o limite de gastos previsto no novo arcabouço fiscal”, diz Fábio Serrano. “A discussão do Orçamento de 2026, a partir de abril de 2025, poderá trazer esse debate. Mas vejo uma preocupação crescente do mercado de que esse debate seja antecipado para 2024.”
Pisos da saúde e educação
A Constituição determina um gasto mínimo com saúde e educação atrelado à receita. A saúde tem 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e a educação tem garantia de 18% da Receita Livre de Impostos (RLA). Os mínimos ficaram congelados durante a vigência do antigo teto de gastos, mas voltaram a valer com a aprovação do arcabouço fiscal. A Previdência, por sua vez, tem uma parcela do seu gasto vinculada ao salário mínimo, que cresce pela regra da inflação do ano anterior, mais o PIB de dois anos antes.
Em 2024, os pisos representam R$ 218,6 bilhões em gastos com saúde e R$ 108 bilhões em educação, que se traduzem em manutenção de hospitais, postos de saúde, cirurgias, exames, funcionamento de universidades, remuneração de profissionais e apoio a Estados e municípios nessas duas áreas.
No Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, pela primeira vez, o governo incluiu uma projeção de gastos obrigatórios com saúde. Mas o valor está corrigido apenas pela inflação, e não de acordo com a receita, como determina o piso. Em proporção ao Produto Interno Bruto (PIB), o gasto cairá de 1,28% em 2025 para 1,15% em 2028. Isso significa que mais despesas terão que ser adicionadas para cumprir o piso.
O aumento para a saúde terá de vir de outra parte do Orçamento: a discricionária (não obrigatória), que inclui custeio e investimentos. O orçamento discricionário, porém, está em queda e já muito pressionado: deve cair de 1,40% do PIB no ano que vem para 0,68% em 2028, em função dos limites do arcabouço e das metas de arrecadação e despesa.
Na prática, as despesas de saúde vão crescer competindo em um espaço cada vez menor com outros gastos – entre eles as emendas parlamentares, os investimentos em outras áreas e o custeio da máquina.
O risco, se nada for feito, é que os ministérios sofram um “apagão orçamentário”. Para os investimentos, o arcabouço garante um patamar mínimo, mas o restante – ou seja, o custeio da máquina – ficaria sob risco. A parte do Orçamento que ficaria sem dinheiro inclui o funcionamento de universidades federais, o programa de escolas em tempo integral, o Auxílio Gás e até despesas para manter os ministérios funcionando no dia a dia.
“Tem despesas que estão sendo congeladas ou reduzidas e outras que estão crescendo muito forte. É como se você tivesse um caminhão correndo a 70 quilômetros por hora em uma estrada e atrás vêm dois carros a 100 quilômetros por hora. Eles vão bater”, afirma David Deccache, doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) e assessor econômico do PSOL na Câmara.
Arcabouço em xeque
Economistas favoráveis e contrários à manutenção dos pisos ouvidos pelo Estadão concluem que o governo terá de escolher entre o arcabouço e os gastos mínimos com saúde e educação. “É um equívoco completo corrigir saúde e educação pela receita. Isso significa que esses gastos vão estar sempre crescendo em termos reais mais do que a receita. É impossível gerar equilíbrio fiscal com esse arcabouço”, afirma o economista-chefe da Genial Investimentos, José Márcio Camargo.
“O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias foi construído a partir de um balanço entre receitas e despesas primárias muito difícil de ser alcançado sem a revisão dos pisos em saúde e educação. Trata-se de uma iminente incompatibilidade matemática”, diz Elida Graziane, defensora do piso, e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Considerando as estimativas, as despesas com saúde iriam consumir paulatinamente todos os demais gastos discricionários para cumprir o gasto mínimo. Em 2025, 44%, saltando para 82% em 2027, e chegando a 110% em 2028. Ou seja, faltariam recursos – um cenário, na prática, inviável. Uma alternativa seria fazer um corte maior nas despesas obrigatórias, incluindo benefícios previdenciários, ou abrir mão do arcabouço, o que não está no radar da equipe econômica.
Por Estadão Conteúdo