Idealizações, expectativas irreais e vícios emocionais ainda moldam a forma como muitas pessoas se relacionam amorosamente — e esse pode ser o motivo de tanto sofrimento. Para o psicólogo e escritor Luis Muiño, 90% das pessoas que procuram terapia o fazem por questões relacionadas ao amor. Embora seja visto como sublime, o amor também é, segundo ele, a principal fonte de dor emocional nos consultórios.
Muiño alerta: o modelo de amor que seguimos ainda é o do século XIX — marcado por idealização, dependência e possessividade. Essas três características, embora romantizadas em filmes, livros e músicas, são, na prática, ingredientes recorrentes de relações tóxicas. “Amor não é vício, não é posse, e muito menos perfeição”, afirma.
A raiz desse comportamento pode estar na forma como nossos hormônios operam. Segundo o especialista, ainda reagimos como nossos ancestrais da pré-história, mantendo vínculos irracionais mesmo com parceiros incompatíveis, como se ainda houvesse tigres lá fora. O apego químico gerado pela dopamina e pela oxitocina nos leva a enxergar a pessoa amada não como ela é, mas como gostaríamos que fosse.
Apaixonar-se é como tomar um narcótico. Você ignora o que não gosta e foca apenas no que encanta — explica Muiño.
Esse efeito cria armadilhas emocionais, como o “custo irrecuperável” — ideia de que, já que investimos tanto no relacionamento, não podemos mais desistir, mesmo que ele não funcione. Segundo o psicólogo, o mito da cara-metade, popularizado por Platão em O Simpósio, alimenta ainda mais essa lógica de dependência e fusão. Para ele, buscar a “metade da laranja” nos impede de ver o outro como ele realmente é.
O mito da alma gêmea destrói algo essencial: a atenção plena. Se você busca a cara-metade, está projetando, não enxergando a pessoa à sua frente — ressalta.
Apesar de criticar os vícios do amor romântico, Muiño não é cético em relação ao amor verdadeiro — apenas defende que ele é fruto de construção, não de destino. A chave, diz ele, está no equilíbrio entre três componentes descritos no triângulo amoroso de Robert Sternberg, pesquisador que se dedicou por anos a entender relações duradouras. Os três pilares são:
- Intimidade: quando o parceiro é também o melhor amigo, alguém com quem é possível compartilhar silêncio e ainda assim se sentir bem;
- Paixão: que envolve o desejo, o erotismo e o toque, mas também o carinho cotidiano;
- Compromisso: a vontade de planejar o futuro em conjunto, construir algo duradouro e crescer lado a lado.
Quando falta um desses três elementos, o que sobra pode ser muita coisa, mas não é um casal — resume Muiño.
Para evitar armadilhas emocionais desde o início, o psicólogo propõe uma abordagem prática nos primeiros encontros: o chamado “casting emocional”. A ideia é identificar, com clareza, cinco ou seis traços que o parceiro precisa ter — e não abrir mão deles. Em vez de fazer perguntas genéricas como “Você valoriza a sinceridade?”, ele sugere questões que revelem comportamentos reais, como “Como terminou seu último relacionamento?”.
Relacionamentos inevitavelmente nos mudam. A questão é: para onde eles nos levam? — provoca.
Segundo ele, um amor saudável potencializa o melhor de nós, enquanto relações tóxicas nos contaminam. “O amor não se encontra. Ele se constrói”, finaliza. Mesmo reconhecendo que também já caiu nas armadilhas do amor idealizado, Muiño insiste: é preciso repensar. Só assim é possível amar de forma consciente, profunda — e duradoura.
Por BNews Natal