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Seca recorde de rios na Amazônia revela ruína portuguesa do século 18

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A seca dos rios no Amazonas revelou, pelo segundo ano consecutivo, as ruínas do Forte de São Francisco, uma construção portuguesa do século 18, localizada na margem esquerda do Rio Solimões, em Tabatinga (AM). A cidade, situada na tríplice fronteira com Colômbia e Peru, fica a 1,1 mil quilômetros de Manaus.

O Solimões chegou ao menor patamar da história no trecho de Tabatinga, segundo relatório divulgado pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB) na sexta-feira, 30. O nível foi de -94 cm. Antes, o mais baixo registrado nesse trecho havia sido de -86 cm, em 2010. O número negativo não significa que o rio esteja sem água, mas indica que ela está abaixo do parâmetro de referência definido em cada estação de medição.

As ruínas, compostas principalmente por resquícios de paredes de alvenaria, estão próximas ao porto da cidade. Outros artefatos do local, como três canhões do Forte, estão hoje no Comando de Fronteira Solimões, também conhecido como Batalhão Forte de São Francisco, em homenagem a Francisco Xavier, que iniciou a ocupação militar na região.

De acordo com registros do Batalhão de Tabatinga, o Forte foi fundado em 1776 pelo Sargento-Mor Domingos Franco, ao lado de uma aldeia construída por jesuítas. A construção foi ordenada pelo governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Fernando da Costa de Ataíde e Teive Sousa Coutinho. (1763-1772), para demarcar a fronteira noroeste do Brasil.

O escritor e historiador amazonense Luiz Ataíde, que estuda a região há décadas, destaca que, enquanto em alguns anos aparecem apenas fragmentos da construção, desta vez toda a estrutura da edificação histórica ficou visível.

“O Forte foi erguido para delimitar a expansão da coroa portuguesa na região, conforme o Tratado de Madrid”, afirma. O documento foi assinado em 13 de janeiro de 1750 pelos reis João V, de Portugal, e Fernando VI, da Espanha, e definiu os limites territoriais reivindicados por ambas as nações na América do Sul.

De acordo com Ataíde, o forte foi construído inicialmente com taipa (argila e cascalho), coberto de palha, e depois passou a ter partes de alvenaria. O espaço militar ainda foi utilizado por mais de um século até que, por volta de 1932, em meio a enchentes no Rio Solimões, o forte desabou.

“As águas do Solimões, que vêm (da Cordilheira) dos Andes, são muito agitadas. Temos esse fenômeno de erosão do solo, chamado de terras caídas, e isso acabou afetando a construção, que estava situada na margem do rio”, conta o historiador.

Devido à importância da região, enquanto fronteira do país, já havia ocupação militar no entorno do forte. Em 1949, a área foi transformada em 5º Batalhão de Fronteira. Anos mais tarde, a unidade dá lugar ao Comando de Fronteira Solimões. Por fim, com a Lei Complementar 284/85, é criado o município de Tabatinga.

Outro destaque na história do Forte, conta Luiz Ataíde, foi a ocupação durante a Cabanagem. A revolta popular, ocorrida entre 1835 e 1840, marcou a resistência das populações locais, incluindo indígenas, aos mandos da elite da Província do Grão-Pará, hoje formada pelos Estados do Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Maranhão e Piauí.

“Esse movimento chegou até a região da fronteira, em Tabatinga, e o Forte foi tomado em 15 de julho de 1836″, conta o historiador. Estima-se que cerca de 30 mil pessoas tenham morrido na Cabanagem, a maioria, indígenas, quilombolas e ribeirinhos.

Preservação

Na estiagem de 2023, o Forte recebeu a visita de técnicos do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e foi registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), banco que reúne informações sobre bens arqueológicos do País.

Segundo o órgão federal, a construção era feita em madeira grossa (embora tenha partes de pedra), e tinha formato “hexágono irregular”. Havia nove peças de artilharia, das quais restam cinco. Duas estão expostas no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e outras três estão no Quartel do Comando de Fronteira do Solimões, em Tabatinga.

Apesar do trabalho do Iphan, o historiador Luiz Ataíde diz que o espaço continua a mercê de curiosos e pede atenção maior à preservação do local. “Nesse período de seca, algumas pessoas visitam a área e têm o costume de pegar alguma coisa para levar embora. Seria importante que houvesse uma ação, talvez até da prefeitura de Tabatinga, para preservar esse monumento”, afirma.

Por Estadão Conteúdo

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