Sob o slogan “União e Reconstrução”, Luiz Inácio Lula da Silva é o único presidente a não criar uma nova marca em seus cem primeiros dias de governo, apenas reembalando programas de suas gestões anteriores. Ele foi também o que enfrentou as piores crises em poucas semanas à frente do Palácio do Planalto, como os atos golpistas de 8 de janeiro e a morte de indígenas na reserva ianomâmi.
Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), Mais Médicos (criado pela presidente Dilma Rousseff) e Água para Todos são alguns dos programas reeditados por Lula.
Já seus antecessores buscaram imprimir novas marcas. José Sarney (1985-1990), primeiro presidente civil após a ditadura militar e que vendia a imagem de “recondutor” da democracia ao reprovar o uso de decretos-lei e por sancionar a volta das eleições presidenciais diretas, lançou mão de programas sociais de atendimento a grávidas e mães jovens de baixa renda, pacote de estímulo a novos empregos como frentes de trabalho nas áreas de saneamento e habitações populares, e projeto de melhoria da merenda escolar, todos sob o slogan “Tudo pelo Social”.
Fernando Collor (1990-1992), primeiro presidente eleito após a redemocratização, iniciou o governo com o Plano Brasil Novo — popularmente chamado de Plano Collor —, que previa a recuperação da economia e o combate à inflação. Apesar de propagandas institucionais e ações de marketing, em que o então presidente aparecia fiscalizando preços em supermercados, a marca de governo rendeu uma rejeição entre a população. O motivo principal foi o confisco do saldo de contas correntes e poupanças por 18 meses a partir da quantia equivalente a pouco mais de R$ 6 mil atuais.
Sucessor de Collor após o impeachment, o vice Itamar Franco (1992-1995) lançou ações de combate à miséria e reviu demissão de servidores promovidas por Collor. Também suspendeu um cronograma de privatizações herdado do governo anterior. Foi nos primeiros cem dias que Itamar encomendou um plano econômico que se transformaria mais tarde em seu principal legado, o Plano Real.
Já Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), que integrou o governo Itamar e foi o pai do Real, procurou focar seus cem primeiros dias em um programa de austeridade econômica. Sancionou a Lei das Concessões, que permitiu a exploração privada de serviços que antes eram exclusivos do governo, como telecomunicações e energia elétrica. Vetou o reajuste do salário mínimo no período e anunciou o planejamento de programas sociais em uma rede de proteção à população de baixa renda.
FH teve como sucessor Lula (2003-2011), que implementou em seu primeiro mandato a marca do combate à fome, batizada de Fome Zero. O petista chegou a promover uma caravana de ministros que percorreu as áreas mais pobres do país para verem de perto a miséria.
Polarização
Para o pesquisador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) José Antônio Martinuzzo, que integra os laboratórios de Comunicação e Cotidiano (ComC) e Sociedade Midiatizada e Práticas Comunicacionais Contemporâneas (Líder), a falta de uma marca específica nos cem primeiros dias do atual governo, com o resgate de programas, mostra um país ainda fortemente polarizado.
— O slogan do governo é a tradução do seu investimento em ação e comunicação nestes cem dias. Num país dividido, é aposta arriscada, ainda que justificável. De acordo com o mapa das urnas, apesar dos desmontes e retrocessos recentes, metade da população não vê o que reconstruir. Não desejam reerguer os pilares de um passado que se diz idílico, mas cujo brilho está longe do consenso — diz Martinuzzo.
Já a pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Mônica Rodrigues, considera “acertada” a escolha de Lula de priorizar o resgate de políticas públicas extintas ou que foram apropriadas pelo governo anterior:
— Como diz acertadamente a marca “União e reconstrução”, o foco é reconstruir boas políticas públicas que ele criou e foram desmobilizadas ou extintas. E em cem dias, num cenário de devastação como o herdado do governo anterior, a decisão foi acertada.
Sucessora de Lula, Dilma Rousseff (2011-2016) marcou seus primeiros cem dias com ações de austeridade fiscal, cortando despesas de R$ 50 bilhões. O governo procurou manter programas de Lula, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Ainda no início da gestão, ela apresentou o Plano Brasil Sem Miséria, que na metade do primeiro ano de mandato ganhou forma como programa. A meta era tirar 16,2 milhões de pessoas da pobreza extrema.
Vice-presidente que assumiu a cadeira de Dilma após seu impeachment, Michel Temer (2016-2019) marcou o início de seu governo com ações de enxugamento da máquina pública que incluíram a redução de 32 para 23 ministérios e readequação das contas públicas, além de ações na área social.
Último ex-presidente, Jair Bolsonaro lançou um programa de privatizações, flexibilizou as regras de posse de armas e reduziu o total de ministérios de 29 para 22. Ainda apresentou proposta de reforma da Previdência e projeto de lei Anticrime, com mudanças nos Códigos Penal.
As marcas de cada governo
- José Sarney (1985-1990): Com a slogan “Tudo pelo Social”, fez investimentos na área social que incluíram distribuição de alimentos, rede de proteção a gestantes e mães jovens e frentes de trabalho em obras públicas.
- Fernando Collor (1990-1992): Teve como grande marca o Plano Brasil Novo, popularmente chamado de Plano Collor. As ações, como o confisco do saldo de contas corrente e poupança, prometiam o controle da inflamação.
- Itamar Franco (1992-1995): Durante os cem dias, readmitiu servidores demitidos por Collor e encomendou um plano econômico que se transformaria, mais tarde, em seu maior legado: o Plano Real, que freou a inflação.
- Fernando Henrique (1995-2003): Pai do Real, procurou focar seus cem primeiros dias em um programa de austeridade econômica. Sancionou a Lei das Concessões, que permitiu a exploração privada de áreas como telecomunicações e energia elétrica.
- Lula (2003-2011): Implementou como marca o combate à fome, batizado de Fome Zero. O petista promoveu uma caravana de 30 ministros nas áreas mais pobres do país, para que a equipe olhasse de perto a miséria.
- Dilma Rousseff (2011-2016): Cortou despesas de R$ 50 bilhões e procurou manter programas de Lula, como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Apresentou uma de suas marcas, o Plano Brasil Sem Miséria, criado na metade na metade do ano.
- Michel Temer (2016-2019): Marcou o início de seu governo com ações de enxugamento da máquina pública que incluíram a redução de 32 para 23 ministério e a readequação das contas públicas. Promoveu ações na área social.
- Jair Bolsonaro (2019-2022): Manteve como marca o lançamento de um programa de privatizações, a flexibilização das regras de posse de armas e o enxugamento da máquina, reduzindo o total de ministério de 29 para 22.
Por Extra e O Globo